Aqui, no sul do Brasil, nos quatro meses que são abrangidos pelo verão, onde a maioria da população goza de suas merecidas férias, tem-se o costume de abandonar as cidades e rumar, como num êxodo, para o litoral num período, localmente, denominado por “veraneio”, e o ápice desse fenômeno migratório dá-se nos meses de janeiro e fevereiro.
Veranear é quase como uma obrigação para a classe proletária, que passa os oito meses restantes planejando a viagem, a estada, calculando as finanças, organizando tudo nos ansiados dias que passarão de papo pro ar, somente com o mar por testemunha.
O mar! Ah, o mar. Esse é o mais esperado pelos veranistas que, dias antes, chegam a sonhar que já estão invadindo aquela imensidão da água.
O sol, a areia sob os pés, o futebol na beira da praia (por parte dos homens), os bronzeamentos conseguidos com o “sol das onze”(por parte das mulheres), até mesmo a pele descascando no final da vacância são muito bem vindos neste intervalo de solstício de verão.
E foi num desses veraneios da vida que o Glauco conheceu a Júlia.
Sentado embaixo de um guarda sol, de óculos escuros, olhos fechados, entre ele e a África só o mar (gostava de pensar assim quando estava na beira da praia), no estado entre o acordado e o sono, vulgo madorna, foi despertado por uma bolinha de frescobol batendo em seu abdômen. Assustado, quase caiu. Pegou a maldita bolinha e ia atirar longe, com toda a raiva, quando em sua direção vinha uma loira, cabelos levemente cacheados, olhos verdes, pele amorenada de algumas semanas de bronzeamento, a marquinha do biquíni em evidência, corpo escultural e um sorriso desarmador. Era Júlia.
A mão esticada de Julia pedia a bolinha que foi entregue seguido de um obrigado, pronunciado com voz angelical. Glauco agradeceu também, não a ela, mas ao mundo, ao destino por ter colocado aquele exímio espécime do sexo feminino à sua frente.
Glauco ficou ali durante horas, estático, só observando aquela Vênus de Milo que se mexia, sentindo-se o próprio Yorgos.
Não sabe ao certo quanto tempo se passou até o momento que ele mesmo intitula de “o encontro” acontecer. “O encontro” ocorreu quando cansada de jogar o frescobol com seu sobrinho, Julia olhou em volta com o propósito de perguntar as horas e mirou Glauco. A passos lentos e cadenciados chegou perto e perguntou-lhe. Glauco, ainda abobalhado, disse que não tinha relógio. Ela sorriu. Ia movimentando-se para achar alguém que lhe pudesse dar a informação quando ele disse que era a hora certa. “Hora certa para quê, extamente?”, perguntou ela intrigada. Hora certa para conversarmos, respondeu.
Normalmente, ela iria embora, pois se tratava de mais uma cantada barata, todavia não o fez. Ficou.
Apresentaram-se. Ela dispensou o sobrinho. Ele tratou de começar a falar. Ela sentou-se à sua frente, entre ele e o mar. Entrosaram-se rapidamente, estavam na mesma faixa etária. Ele um pouco mais velho. Ela muito esperta. A idade dele compensava a maturidade dela. E vice-versa. Igualavam-se.
Estava ficando tarde. Marcaram para o dia seguinte, no mesmo local. Cedo, bem cedo.
E assim foi nos dias que se passaram. Encontros, conversas a beira mar. Entre ele e o mar só Julia (gostava de pensar assim quando estava com ela em frente ao oceano, pois ela sempre sentava à sua frente).
Ele tinha encontrado a perfeição. Ele de touro. Ela de escorpião. Completavam-se sexualmente, disse ela, sem pudor.
Ambos amavam cinema. Concordavam nos gêneros de filmes.
No futebol, torciam para o mesmo time, fanáticamente. Quase choravam, ao lembrar de façanhas passadas do time do coração.Faziam faculdades diferentes. Ele, Letras. Ela, Administração. Mas eram da área das humanas.
Na gastronomia o consenso era lasanha e o velho e bom churrasco de domingo.
Ele conversava com ela sobre escova progressiva. Ela conversava com ele sobre quadrinhos.
E assim passaram a por muitos assuntos desde astronomia até a novela das oito. Concordavam em tudo. Tudo mesmo.
Um dia, como de costume, no fim do veraneio, quando andavam de mãos dadas, felizes, passou um menino vendendo jujubas. Julia quis. Glauco comprou.
Abriu o pacote e ofereceu a primeira a ele. Glauco não quis. Ela perguntou se ele não gostava. Ele disse que adorava, com exceção das verdes. Ela parou no meio da rua, estupefata. Ele perguntou o que houvera. Ela disse que amava jujubas verdes. Ele disse que não suportava. Ela esbravejou e saiu pisando firme.
Nunca mais se falaram.
Ela não atendeu seus telefonemas, não respondeu seus e-mails e nem suas mensagens.
Nos os veraneios seguintes, Glauco foi para a beira da praia com um caixa de jujubas. Come só as verdes, à contra gosto, mas come, na esperança de reencontrar Julia, jogando frescobol à sua frente, até porque entre ele e o mar não há mais ninguém.