Assassinaram a Língua Portuguesa. Pelo menos era isso que se desconfiava quando a polícia fora chamada por uma de suas amigas íntimas, a Literatura, assim que esta encontrou o corpo estirado no chão de sua própria casa.
Chegando ao local do crime, foram direto examinar o defunto que estava em péssimo estado, mesmo tendo morrido há tão pouco tempo. Resolveram iniciar as investigações imediatamente, com interrogatórios, começando com a própria Sra. Literatura. Ela, metodicamente, insinuou que existiam muitos suspeitos e por solicitação do detetive encarregado do caso, indicou alguns nomes.
A primeira a falar foi a Hipérbole. Chegou gesticulando muito e quase aos berros, foi sala adentro, dizendo ter um álibi, o Sr. Eufemismo que por sua vez confirmou a história da interrogada anterior, não sem antes colocar panos quentes na situação, amenizando a situação com termos mais agradáveis. A Metáfora foi a seguinte. Passou o depoimento inteiro comparando e colocando as coisas no sentido figurado em relação à Língua Portuguesa. A antítese, próxima da lista, quase enlouqueceu o detetive, contradizendo-se a cada instante.Trágico foi o depoimento da onomatopéia, fez todos os sons possíveis desde o acordar da vítima até seu último suspiro, afirmou ela que isso não passava de imaginação e que não sabia o que havia acontecido. A Apóstrofe, sempre polêmica, ficou o tempo todo invocando todos os tipos de entidades possíveis para garantir-lhe a inocência. Seguiu-se com o relato da Catacrese, que até tentava, mas não conseguia expor com exatidão suas idéias e lembranças do que ocorrera, substituindo sempre por expressões não muito apropriadas. Isso confundiu ainda mais o detetive que pediu um tempo para raciocinar. Após a pausa foi a vez do Disfemismo. O detetive arrependeu-se de escutar todos aqueles palavreados chulos e sarcásticos expelidos por ele e que não ajudaram em nada. A Ironia, não queria saber de colaborar, não porque não queria, mas sim porque fazia parte de sua natureza.E mais suspeitos foram ouvidos, entre eles a Metonímia, o Paradoxo, a Perífrase, o Sarcasmo, a Elípse e o Pleonasmo, cada qual com sua personalidade e seu relato.
O detetive, mesmo após ter ouvido tantos suspeitos, não via um motivo sequer para que algum deles viesse a cometer tal crime.Lia, relia e lembrava de cada um e não achava um assassino em potencial, até porque todos conviviam harmoniosamente com a vítima. Não satisfeito mandou chamar novamente a Literatura. A nobre senhora, já de idade avançada, porém ainda viva, relatou tudo novamente, como havia encontrado o corpo, o que houvera acontecido no dia anterior. Quanto mais ela falava mais o detetive ficava convencido que não havia um assassino. Horas depois, o detetive pediu para que todos estivessem reunidos na casa da Literatura para que ele desse o motivo pelo qual morreu a Língua Portuguesa.
E lá estavam todos, suspeitos e não suspeitos quando foi iniciado o relato da autoridade:
- A Língua Portuguesa não foi assassinada por nenhum de vocês, não diretamente! – Iniciou o detetive, seguido de várias interjeições de surpresa. -Sim, a Língüa Portuguesa morreu de solidão. Abandono por assim dizer. - continuou ele em monólogo, seguido de mais espanto.-A Língua Portuguesa estava acostumada a ser visitada por todos vocês aqui presente, desde as figuras de linguagem até as concordâncias. E com o passar tempo, passaram a freqüentá-la cada vez menos, até o abandono total. E digo mais, se isto continuar, vai acontecer o mesmo com a Literatura. – falou, olhando tenramente para a doce anfitriã.Depois que refletiram bastante sobre o acontecido, saíram da casa da velha Literatura com a promessa de voltarem sempre e dedicarem-se a recuperar a Língua portuguesa, pois uma língua não desaparece por completo, por mais que a assassinem.
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Este texto foi escrito em protesto à nova reforma na língüa portuguesa.
Infelizmente, o nosso português está perdendo a identidade.
Um comentário:
muito bom!
realmente a lingua portuguesa é um pouco esquecida...
bjos
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