15 setembro, 2008

O dia da morte


Desde pequeno, quando apresentado a amigos de seus pais, Fabrício, após os cumprimentos de praxe e o recebimento de alguns agrados, disparava a afirmação que sabia o dia de sua morte.


-O que???-perguntavam, todos, sempre com espanto.

-É sim...eu sei!! É no dia...(e dizia ele o dia, mês e ano do acontecido).


Os que lhe davam trela, faziam as contas mentalmente ou pegavam-se a contar nos dedos e chegavam na mesma conclusão: Fabrício estaria com 57 anos, se realmente fosse verdade aquela profecia.Todos olhavam-no com espanto e com o mesmo espanto desviavam o olhar na direção dos pais de Fabrício (por que, afinal, não era todos os dias que se via uma criança, tão jovem, falar da morte e ainda mais da sua própria) que se limitavam a dar um sorrisinho como se dissessem:


-Ah! Essas crianças de hoje...


Porém, o tempo foi passando, a adolescência chegando e logo em seguida dando lugar à idade adulta e com elas mais amizades foram feitas, casamentos feitos e desfeitos, filhos chegando, cabelos caindo, papo vai, papo vem e lá vinha o Fabrício espalhando, a todos que conhecia e que tinham algum contato com ele, a data de sua morte.


E não é que o dia chegou. Fabrício, então com seus 57 anos, recém completados, acordou cedo, foi até a sala de sua casa e sentou-se numa poltrona, pois decidiu que morreria ali.

Sua atual esposa (a terceira já) e seus três filhos (tinha sete, ao total, dois com cada uma das outras duas esposas) acordaram em pânico, pois na noite anterior haviam conversado, sem a presença de Fabrício, claro, sobre o “amanhã”, e encontraram-no ali, (parecia um pouco pálido, reparou o caçula) recostado, olhando para o nada.

Lá pelas tantas, Nelinha, sua esposa, resolveu quebrar aquele “iceberg”:


-Fabrício, Fabrício, você tem certeza que é hoje??


Ele limitou-se a responder que sim com um aceno de cabeça.


Eram nove e quinze da manhã.Meio-dia. A campainha toca. Nelinha atende. Fabrício olha em direção à porta, reconhece suas ex-mulheres e seus outros quatro filhos, todos com pesar no semblante. Fabrício pensou “não acreditavam mas estão aqui...”


E essa foi a rotina tarde a dentro: Campainha. Nelinha atende. Alguns amigos. Depois, alguns vizinhos. Logo mais, parentes distantes. Não paravam mais de chegar. Certa hora a porta não foi mais fechada, os lugares na sala foram todos ocupados, logo em seguida o jardim.Todos que lembravam, vinham e os que não lembravam também vinham, pois eram lembrados por aqueles que lembravam.


Contabilizaram mais de 400 pessoas e todos que chegavam vinham com perguntas do tipo:


-Ele ainda está aí?


Ou então:


-Ele já se foi?


Ou até mesmo:


-Que horas é o cortejo?


Teve até a Dona Maria que já chegou chorando e dando os pêsames para Nelinha, que teve todo o trabalho de, em meio à multidão na sua sala, mostrar que Fabrício ainda estava lá, apesar de já ser quinze para as nove da noite.


Fabrício permanecia a maioria do tempo imóvel e quando se mexia, fazia movimentos leves, porém sempre acompanhado da narração do ex-cunhado, bradando:


- É agora!!!


Um engradado de cachaça já se ia (comprado com o dinheiro arrecadado pelo mesmo ex-cunhado, passando o boné, com o pretexto de “onde já se viu velório sem uma purinha?? Sim porquê aquilo era um tipo diferente de velório”) quando os mais exaltados começaram a impacientar-se e passavam a olhar, cadenciadamente, os seus relógios. Eram onze e dezoito.


O próprio Fabrício, que tinha fé que seria naquele dia o seu último, percebia a meia-noite aproximar-se e com ela um outro dia, que, inevitavelmente, teria que ser o do seu enterro.


Ele tinha de fazer algo, pois não poderia decepcionar toda aquela gente, que mesmo desconfiando, confiaram na sua palavra e estavam ali para despedir-se (ou seria um sentimento mórbido que os assolavam e queriam mesmo era vê-lo definhar?)


Cinco para a meia-noite. Burburinhos começavam a deixar de serem cochichos.


Três para a meia-noite. Alguns já desistiam e saiam ofendendo-o.


Um para a meia-noite. O telefone toca. Fabrício mexe-se com rapidez (todos olham para ele e para o aparelho, em seguida). Ele atende:


-Alô. Sim...Claro. É perfeitamente compreensível...sim...tchau.


Recoloca o fone no gancho e senta-se.


Todos esperam uma atitude de Fabrício como se este fosse um cobrador de pênalti e eles a torcida, apreensiva.


-E aí, Fabrício?? Quem era??-pergunta o ex-cunhado, pra lá de Bagdá.

-Era a Morte...

-A Morte??- perguntam todos, em uníssono.

-E o que ela disse??

-Disse que vai se atrasar um pouco...

-Um pouco?? Quanto tempo???

-Uns vinte e cinco anos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Escellente trama..

___
Das mais criativas..

Aline Marques Silveira disse...

Oie, Luck!
Agradeço e retribuo aqui a visita que fizeste lá no Dulce.

Muito obrigada pelas generosas palavras sobre o post. Fico feliz que tenhas gostado do texto, mas tenho de dizer que não é meu... coloquei o crédito ao final. Achei bárbaro e por isso publiquei. Concordo contigo que é muito bem escrito!

Bom, vamos manter contato por esse mundo virtual afora!

Agradável aqui. Gostei do teu blogue!
\o/
bjinho*