16 outubro, 2008

O vendedor de calças jeans em Auschwitz


Você está sendo desligado da empresa.”


Assim, simples assim, não exatamente com essas palavras, mas algo parecido com isso, ele recebeu a notícia do seu gerente naquela sexta-feira à tarde, cinzenta, enquanto ainda sentia o peso do almoço no estômago e a sonolência vespertina. O mesmo gerente que dias atrás fingiu ser seu amigo e tentou, de todas as formas, lhe vender uma calça jeans por não ter servido em sua cintura, ou melhor, o que outrora foi uma cintura.


O fato era que estava sendo inexoravelmente defenestrado.


Enquanto, ainda sentado, recebia as instruções de como proceder para os exames de praxe e para resgatar o capital que teria direito por seus serviços prestados àquela empresa, olhava firmemente nos olhos aquilares do seu interlocutor que apresentava, além do azul costumeiro, um prazer, um regozijo, uma satisfação imensa em estar proferindo sua dispensa. Era um azul semelhante aos dos olhos de Mengele, pensava o recém demitido, atrelado a um sadismo espelhado em Wirths. Uma Auschwitz estava instalada naquele local e era inevitável pensar em tudo que passou e se dedicou para que seu trabalho fosse reconhecido.


Tudo inútil.


Inútil como as calças jeans oferecidas pelo amorfo gerente que, com seu sorriso metálico, sinicamente desejava boa sorte.


Naquele momento, que não passou de uns 4 minutos entre a primeira e a última palavra ditas na salinha de reuniões, passou-lhe milhões de coisas na cabeça: No que teria feito de errado, na cotação do Dólar, na nova contratação do time, no capítulo 19 de um livro que estava lendo, nas pernas da Karina Bacchi, no último filme que assistiu no cinema, nas prestações que ainda restavam de um carnê, etc...


Não esperou o déspota finalizar o monólogo, pois aquilo estava lhe causando náuseas. Pensou que até que não era má idéia regurgitar ali mesmo, na cara do “Sr. Cinismo”. Adorou seu próprio pensamento e imaginou seu vômito sujando a camisa salmão, invadindo o colarinho, impecável do sacana.


Esboçou um sorriso. Queria ter gargalhado na cara dele, mas não o fez.


Levantou, saiu da sala, juntou seus pertences e partiu, sem olhar para trás e disso tudo tirou uma lição:


“Nunca confie em alguém que tente lhe vender uma calça jeans.”

5 comentários:

Camila disse...

Caramba... é tão ruim ouvir isto!
Graças a Deus, meu ex-superior era muito bacana e conversou comigo amigavelmente: ou vai para o Acre ou vai ser demetida! rsrs
Preferi a segunda opção!
Gostei da dica, sempre desconfiei que vendedores de calça jeans não eram confiavéis!
=D

Anônimo disse...

Esse texto é genial...

Anônimo disse...

Pois é.
'Passeando' pelo blog do David Coimbra encontrei o link do seu.
Falando sobre o post do dia 30 de setembro:
Realmente, é uma ironia perceber que um semi-analfabeto acaba de assinar um acordo de óbito à língua portuguesa. Mas enquanto o povo deixar leigos no poder, será assim. O presidente é o reflexo de quem vota nele; concluímos que a maioria dos brasileiros não tem noção das conseqüências da reforma ortográfica. A maioria é capaz de apoiá-lo nisso, e sequer perceber as mudanças. Lamentável.

Unknown disse...

Lição:
Nunca confie em ninguém, de calça jeans ou não. hahaha... Ótimo texto :-)

Gabriel Bedin Slevinski disse...

ai ai, por isso que patrão é tudo do mesmo time.. mas devagar, a vingança será plenaa...^^__hehehehehehe